Pertenceu à 3ª geração de
pintores modernistas portugueses, sendo autor de uma obra multifacetada,
centrada na pintura, desenho, cerâmica e gravura, com importantes
desenvolvimentos nos domínios da tri-dimensão (escultura; assemblage)
ou da escrita. Os primeiros anos da sua carreira estão ligados à resistência
contra o regime do Estado Novo e à afirmação do movimento neo-realista
em Portugal, marcando a especificidade deste no contexto europeu. Teve uma
acção artística e cívica intensa ao longo das décadas de 1940 e 1950
e é consensualmente considerado o mais destacado dos cultores do neo-realismo
nacional.
Começou a distanciar-se do
activismo político e do idioma figurativo inicial, na segunda metade da década
de 1950 e, em 1963, radicou-se em Paris. Sem nunca abandonar o pendor
figurativo, libertou-se do compromisso neo-realista, enveredando pela «exploração
de práticas pictóricas diversas que o centrarão na pintura enquanto tal,
interrogando as suas formas, composições e processos, pintando das mais
variadas maneiras na exploração ou na recusa das possibilidades que o seu tempo
lhe abriu».
Ao longo das últimas quatro
décadas, abordou uma grande variedade de universos temáticos, da reflexão
auto-referencial ao erotismo, do retrato às alusões literárias e matérias
mitológicas. Do ponto de vista formal, encontramos idêntica riqueza de meios e
soluções. «A obra de Júlio Pomar constrói sucessivas cadeias de
relações formais e semânticas entre os diferentes materiais, processos e
técnicas».
Entre as grandes exposições
realizadas nas últimas décadas, salientam-se: Fundação Calouste Gulbenkian;
Museu de Arte Contemporânea de Serralves; Sintra Museu de Arte
Moderna - Colecção Berardo; e museus de São Paulo, Rio de Janeiro e
Brasília, que consagraram a sua obra, que se destaca como uma das mais
significativas expressões da criação artística portuguesa contemporânea.
Júlio Pomar frequentou a Escola
António Arroio. Inscreveu-se depois na Escola de Belas-Artes de Lisboa
em 1942. Nesse mesmo ano, em associação com ex-colegas da António Arroio,
alugou um quarto na Rua das Flores, onde instalou um atelier e que
servirá de improvisado local para uma exposição de grupo, a primeira em que
participou. A mostra foi visitada por personalidades de relevo no mundo das
artes, entre as quais Almada Negreiros, que lhe adquiriu uma pintura, hoje
desaparecida, (“Saltimbancos”).
Descontente com a Escola
de Lisboa, em 1944 transferiu-se para a Escola de Belas-Artes do Porto,
que abandonou em definitivo dois anos mais tarde, na sequência de um processo
disciplinar. Participou em Exposições Independentes (Porto e Coimbra,
1944; Lisboa, 1945), dinamizadas por Fernando Lanhas, com quem estabeleceu uma
«estreita relação de cumplicidade».
Entre Junho e Outubro de
1945, dirigiu a página semanal de arte do diário “A Tarde” (Porto), onde
divulgou o trabalho dos muralistas mexicanos (corrente onde se incluem Orozco e
Siqueiros), do regionalista norte-americano Thomas Hart Benton, de Grosz ou
Portinari, todos eles figuras de referência do neo-realismo nacional
emergente.
Nos anos que se seguiram,
colaborou com críticas e textos de intervenção estética, em revistas como “Mundo
Literário” (1946/1948), “Seara Nova”, “Vértice”, “Horizonte”,
etc. Embora afirmando a necessária independência da criação artística, em
muitos desses textos, iria associar o trabalho de pintor ao combate político,
dando prioridade à defesa da responsabilidade social do artista na criação de
uma arte acessível e interveniente. Data de 1945, a sua filiação nas Juventudes
Comunistas, ilegais (abandonaria o PCP anos mais tarde, de forma
gradual).
Em 1946, iniciou um grande
mural no Cine-Teatro Batalha, no Porto. Seria um dos principais
organizadores (e expositores) das Exposições Gerais de Artes Plásticas
realizadas na Sociedade Nacional de Belas Artes, entre 1946 e 1956. Uma
das suas pinturas foi apreendida pela polícia política na segunda exposição em
1947, ano em que expôs individualmente pela primeira vez e foi preso pela PIDE,
durante 4 meses, por pertencer à direcção do MUD juvenil. O mural do Cine-Teatro
Batalha foi destruído por imposição governamental, no ano seguinte. Em
1949, foi afastado do lugar de professor de Desenho no ensino técnico
devido à sua participação na candidatura presidencial de Norton de Matos (de
quem desenhou um retrato, muito divulgado na altura).
No início da década de 1950,
realizou novas exposições individuais (1950, 1951, 1952). Uma pintura sua foi
adquirida pelo Museu de Arte Contemporânea de Lisboa (1953). Em 1956,
participou na fundação da Cooperativa Gravura, da qual seria o principal
dinamizador (até 1963). Participou na I e na II Exposição de Artes
Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa, 1957 e 1961), onde lhe
foram atribuídos o Prémio de Gravura e o 1º Prémio de Pintura,
respectivamente. Participou na comissão organizadora (e enquanto expositor) da
exposição 50 Artistas Independentes (SNBA, 1959), marco simbólico
da ruptura de muitos artistas com as actividades culturais promovidas pelo
governo. Realizou viagens a Madrid (1950), Paris (1951, 1956, 1961), Itália
(1958), etc.
Em Junho de 1963, fixou
residência em Paris. A mudança representou o afastamento definitivo da acção
cívica, que marcou o arranque da sua carreira.
Regressou a Portugal apenas de forma esporádica e só vinte anos mais
tarde adquiriu uma casa em Lisboa para aí instalar um segundo atelier. Expôs
individualmente em Lisboa (Galeria do Diário de Notícias, 1962 e 1963) e
em Paris (Galerie Lacloche, 1964 e 1965), cidades onde iria expor com
regularidade ao longo dos anos e construir uma carreira estável.
Em 1967, realizou as
primeiras assemblages com materiais encontrados e, no ano seguinte, iniciou
duas séries paralelas, uma das quais acerca das convulsões de Maio de 1968
em França. Expõe de novo em Lisboa e, a partir de 1969, deu início à
colaboração regular com a Galeria 111 de Manuel de Brito, que passou a
representá-lo em Portugal.
Quando se deu a Revolução
de Abril de 1974, encontrava-se em Lisboa, onde permaneceu durante vários
meses. Ao longo da década de 1970, publicou uma recolha de poemas,
participou em mostras internacionais de relevo - nomeadamente na Bienal de
S. Paulo, Brasil (1976) e realizou importantes exposições individuais, de
onde se pode destacar a primeira retrospectiva da sua obra (Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, e Museu Nacional de Soares dos Reis,
Porto, 1978).
Nos anos 1980, a obra de
Pomar descobriu sintonias com a figuração expressionista, que se
afirmava a nível internacional. Nas décadas seguintes, as exposições
multiplicaram-se, em galerias e museus, nacionais e internacionais.
Fez duas viagens ao Brasil
(1987 e 1988), de onde resultaram importantes séries de pinturas, que expôs em
Lisboa, Madrid e Paris. Em 1999, Júlio Pomar deu início ao levantamento
exaustivo da sua obra, com vista à organização do respectivo catálogo “Raisonnée”.
Em 2003, foi-lhe atribuído o Prémio
Amadeo de Souza-Cardoso. No ano seguinte, o Sintra Museu de Arte Moderna
- Colecção Berardo apresentou uma vasta retrospectiva intitulada “Pomar/Autobiografia”,
enquanto o Centro Cultural de Belém expôs a antologia “A Comédia
Humana”, dedicada à obra das décadas mais recentes. Em 2008, o Museu de
Arte Contemporânea de Serralves, Porto, incluiu numerosas assemblages
(esculturas) inéditas na mostra Cadeia da Relação.
Pomar dedicou-se
especialmente ao desenho e pintura, mas a sua área de acção estendeu-se à
gravura, escultura e «assemblage», ilustração, cerâmica, tapeçaria,
cenografia para teatro, decoração mural em azulejo (de onde podem destacar-se
os painéis para a estação de Alto dos Moinhos, Metropolitano de
Lisboa, 1983/1984).
Entre os inúmeros textos que
publicou ao longo dos anos, podem destacar-se os seus livros de ensaios sobre
pintura: “Discours sur la Cécité des Peintres” (1985), “Da Cegueira
dos Pintores” (1986) e “Então e a Pintura?” (2003). Publicou também
dois livros de poesia: “Alguns Eventos” (1992) e “TRATAdoDITOeFeito”
(2003).
Em 2013, inaugurou o Atelier-Museu
Júlio Pomar, num edifício adquirido em 2000 pelo Município de Lisboa
(remodelado segundo projecto do arq. Álvaro Siza Vieira). O atelier-museu
possui um acervo de várias centenas de obras, doadas pelo artista à Fundação
Júlio Pomar e que inclui pinturas, esculturas, desenhos, etc.
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