EFEMÉRIDE - Isabel Helena Vieira Cordato
de Noronha, realizadora de cinema moçambicana, nasceu em Lourenço
Marques, actual Maputo, no dia 18 de Março de 1964.
O
seu pai nascera em Goa durante a administração portuguesa do território, tendo
sido o primeiro médico português colocado na província de Inhambane, em 1928. A
sua mãe que nasceu em Portugal, mas optou pela nacionalidade moçambicana após a
independência de Moçambique, era Assistente Social de profissão, tendo
sido directora do Instituto de Educação e Serviço Social em Moçambique e
directora pedagógica do Ministério da Saúde após a independência.
Isabel
Noronha fez a escola primária ainda no período colonial, na escola Rainha
Santa Isabel. Em 1974, durante o período de transição para a independência,
estudou no liceu D. Ana da Costa Portugal que, em 1975, aquando da independência
de Moçambique, ganhou o nome de Escola Secundária Josina Machel. Foi aí
que Isabel estudou até ao 9º ano, tendo frequentado depois a Escola
Secundária Francisco Manyanga, onde terminou a 11ª classe, ingressando
depois na Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane.
Em
1984, aos vinte anos de idade, Isabel Noronha inicia o seu percurso de cineasta
no Instituto Nacional de Cinema, onde trabalhou como assistente de
produção, assistente de realização, directora de produção e finalmente
realizadora, aprendendo cinema com realizadores e técnicos moçambicanos, na
prática do Kuxa kanema (jornal cinematográfico de actualidades),
documentários e filmes de ficção produzidos nesta instituição. Aí realizou os
seus dois primeiros documentários em película: “Hosi Katekisa Moçambique”
e “Manjacaze” (documentário de guerra).
Depois
do incêndio do Instituto Nacional de Cinema, começou a trabalhar como
cineasta independente. Foi membro fundador da primeira Cooperativa
Independente de Vídeo (COOPIMAGEM), onde em 1991 realizou o
documentário “Assim na Cidade”, sobre crianças refugidas de guerra, que
vendem jornais na cidade de Maputo.
Já
mãe de uma filha (Lara Carolina Noronha Abranches de Sousa, 1991), perseguiu o
seu sonho de estudar Psicologia, curso que só começou a existir em
Moçambique em 1986, após a criação do Instituto Superior Politécnico e
Universitário, primeira universidade privada do país.
Em
2002, termina a licenciatura em Psicologia Clínica e Aconselhamento e
passa a leccionar nesta instituição as disciplinas de Psicanálise, Psicologia
Social, da Personalidade, das Emoções, Orientação Vocacional e Psicologia
da Comunicação.
Em
2007, termina o seu mestrado em Saúde Mental e Clínica Social pela Universidade
de Léon, Espanha.
A
partir de 2003, procura compaginar a sua actividade de docente e psicoterapeuta
de inspiração analítica, com a actividade de cineasta. Faz parte do grupo de
cineastas que funda a Associação Moçambicana de Cineastas (AMOCINE).
Realiza
com subvenção do Fundo de Apoio ao Cinema o documentário “Sonhos
Guardados” e em 2006, a sua primeira longa-metragem documental, “Ngwenya”,
sobre o pintor moçambicano Malangatana Valente Ngwenya, com que inicia um
percurso de utilização experimental de metodologia dialógica para a escrita e
realização fílmica, que virá a utilizar daí em diante em vários dos seus
documentários.
Sempre
interessada em temáticas sociais, depara-se no seu país, aquando da realização
dos seus documentários, com um denso silêncio sobre as histórias pessoais,
familiares e políticas, que atravessa todas as trajectórias sociais,
obrigando-a a pensar a utilização do dispositivo de cinema como meio para fazer
face aos Indizíveis da História do país e, simultaneamente, como
ferramenta terapêutica. Este movimento inicia com “Trilogia das Novas
Famílias”, uma trilogia documental sobre os novos modelos familiares de
Moçambique, como resultado da síndrome da imunodeficiência adquirida.
Colocada
ao longo deste processo face à necessidade de certos sujeitos, expostos a
situações de risco (tanto psicológico como social ou político), poderem contar
as suas histórias mantendo, contudo, o anonimato inicia, junto com Vivian
Altman, realizadora franco-brasileira de animação, uma série de filmes em que
misturam técnicas de documentário e animação. São exemplo desta pesquisa
metodológica e formal, “Mãe dos Netos”, um filme sobre uma avó ao
cuidado de quem ficaram 14 netos depois da morte de seus filme e suas 7
esposas; “SALANI”, sobre crianças traficadas na fronteira entre
Moçambique e a África do Sul; “Meninos de Parte Nenhuma”, sobre crianças
escravizadas por adultos dentro das suas próprias famílias ou tendo sido
retiradas destas.
Em
2012, co-realiza com três outras realizadoras - Altman (Brasil), Firouzeh
Khosrovani (Irão) e Irene Cardona (Espanha), “Espelho Meu”, o primeiro
dos seus filmes com uma temática de género, sobre mulheres de diferentes
lugares do mundo ao espelho. No mesmo sentido, co-realiza com Camilo de Sousa, “Na
Dobra da Capulana”.
Ao
longo deste percurso, vai-se dando conta de que necessita de mais ferramentas
teóricas, para além da Psicologia, para compreender as realidades
sociais com que se depara. Inicia então, o doutorado em Antropologia Social
na UNICAMP (Brasil) que termina em 2018. Ao longo do seu percurso de
doutoramento (2014/2018) foi aprofundando esta pesquisa metodológica buscando
caminhos transversais e interdisciplinares que permitissem trabalhar questões
da memória, trauma e silenciamento político, incluindo o uso da construção
fílmica como ferramenta terapêutica para lidar com Indizíveis. Neste
sentido, defendeu a sua tese “Tacteando o Indizível”, realizada com
metodologia dialógica para lidar com questões de memória e silenciamento
político.
De
2017 a 2019, trabalhou como pesquisadora convidada no CES (Coimbra),
co-realizando com Camilo de Sousa os filmes “O Homem Novo”, entre a “Luta
e os Afectos”, finalizado com apoio do ICA à pós-produção e estreado
no DocLisboa (2019) com o título de “Sonhámos um País”.
Pesquisa
actualmente Identidades, Cultura e Vulnerabilidades; Memória e Silenciamento,
em contextos colonial e pós-independência, em especial o uso do cinema como
ferramenta terapêutica, de pesquisa social, de testemunho, de descolonização e
abertura a outros saberes.
Em
2019, foi convidada a juntar-se ao projecto “The Colour of Labour”,
desenvolvendo actualmente pesquisa sobre o sul de Angola, sob orientação da professora
Cristiana Bastos.
Tem
sido galardoada com muitos prémios, ao longo da sua brilhante carreira.