terça-feira, 23 de dezembro de 2003

BUROCRACIAS E LUVAS…

Um dia o Senhor chamou Noé da Silva e ordenou-lhe:
"Dentro de seis meses farei chover ininterruptamente durante 40 dias e 40 noites, até que todo o Portugal seja coberto pelas águas. Os maus serão destruídos, mas quero salvar os justos e um casal de cada espécie animal.
Vai e constrói uma arca de madeira".
No tempo certo, os trovões deram o aviso e os relâmpagos cruzaram o céu.
Noé da Silva chorava, ajoelhado no quintal de sua casa, quando ouviu a voz do Senhor soar, furiosa, entre as nuvens: "Onde está a arca, Noé?"
"Perdoai-me, Senhor" - suplicou o homem. - "Fiz o que pude, mas encontrei dificuldades imensas. Primeiro tentei obter uma licença da Câmara Municipal, mas para isto, além das altas taxas para obter o alvará, pediram-me ainda uma contribuição para a campanha da reeleição dos Presidentes de Câmaras. Como precisava de dinheiro, fui aos bancos e não consegui empréstimos, mesmo aceitando aquelas taxas de juros. Afinal, nem teriam mesmo como me cobrar depois do dilúvio.
Depois veio o Corpo de Bombeiros exigir um sistema de prevenção de incêndio e alguma ajuda para a compra de uns helicópteros, mas consegui contornar, subornando um funcionário. Começaram então os problemas com a extracção da madeira nas áreas ardidas. Eu disse que eram ordens "Suas" mas eles só queriam saber se eu tinha "projecto de reflorestamento" e um tal de "plano de manejo".
Neste meio tempo a Quercus descobriu também uns casais de animais guardados em meu quintal. Além da pesada multa, o fiscal falou em "prisão inafiançável" e acabei por ter que matar o fiscal, pois para este crime a lei é mais branda.
Quando resolvi começar a obra na praça, apareceu a Fiscalização, que me multou porque eu não tinha um engenheiro naval responsável pela construção.
Depois, apareceu o Sindicato exigindo que eu contratasse seus marceneiros que ficaram desempregados com este Governo e com garantia de emprego por um ano.
Veio em seguida o Fisco, acusando-me de "sinais exteriores de riqueza" e também me multou.
Finalmente, quando a Secretaria de Estado do Ambiente pediu o Relatório de "Impacto Ambiental" sobre a zona a ser inundada, mostrei o mapa de Portugal. Aí quiseram internar-me num hospital psiquiátrico!"

Noé da Silva terminou o relato chorando mas notou que o céu clareava.
- "Senhor, então não vais mais destruir Portugal?"
- "Não!" - respondeu a voz entre as nuvens - "Pelo que ouvi de ti, Noé, cheguei tarde! Alguém já se encarregou de fazer isso antes de mim"

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