domingo, 5 de dezembro de 2004

SONHO INACABADO (mini-conto) Gostava de ser sido pássaro. Gostava de ter asas para ir além da imaginação. Um sonho, porém, pode tornar tudo possível. Elevei-me no ar. Atravessar o Oceano não deverá ser tarefa fácil. Poisei no mastro de vários navios que fui encontrando. Quando me sentia cansado, procurava outros barcos, mesmo tendo de fazer enormes desvios da rota que tinha traçado. Passaram-se dias. Talvez semanas. Finalmente vi terra. Baixei ansioso. Para mim o Sol nascia. Em baixo ainda era noite. Atraiu-me uma janela aberta. Entrei, poisei, descansei e olhei ao redor. Espelhado na vidraça da janela, não era um pássaro que ali estava mas eu próprio. Uma cama. Um lençol branco. Um único pé destapado. Beijei-o e ele escondeu-se, deslizando, sem sobressaltos. Agora no outro extremo, descortino uma cabeça de mulher, de olhos cerrados, dormindo tranquilamente. Acaricio os seus cabelos que me parecem feitos de seda. Fechei (também eu) os olhos e deixei-me ir ao acaso das sinuosidades daquele corpo. Beijei demoradamente os olhos. Procurei cuidadosamente as orelhas que percorri lentamente, para não a despertar. O corpo estava todo nu, também de maquilhagens e de preconceitos. Tudo natural. Apenas o embriagante cheiro de fêmea. Acariciei os seios, desci até ao umbigo, naquele momento o centro do meu Mundo. Desci um pouco mais e, finalmente, senti umas mãos que carinhosamente me acariciavam a cabeça e pressionavam levemente. Deixei-me ir, resistindo um pouco, apenas para provocar o aumento da pressão… Sobrevoei o corpo para reencontrar aqueles pezinhos… (Agora reparo que disse «sobrevoei». Linguagem de pássaro ainda não me abandonou. Bom sinal, pois terei de regressar...) Beijei-os com ternura. Voltei acima, deslizando a minha face pelas suas pernas. Atardei-me nos joelhos, suavemente... Quantos círculos, elipses, espirais desenhei. E ela, tocando os meus cabelos, com as duas mãos, meigamente. Como a querer ensinar-me o caminho. Continuei, sentindo o movimento das suas ancas, qual cobra dançando o samba mas muito devagarinho. Olhos fechados. Tudo muito, muito lentamente, pois há momentos que deveriam ser eternos, momentos em que o mundo deveria parar. De repente acordei com o sonho inacabado. Porque será que tudo o que é bom tem de ter um fim? Eu bem fechei os olhos, tentando reatar ou começar tudo de novo. Nada consegui... Ficou-me a solidão, o escuro e o vazio. NB: - 3º prémio no VII Concurso Literário da Academia Antero Nobre – 2004 (Pedreiras – Porto de Mós)

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