domingo, 30 de maio de 2004

POEMAS COM HISTÓRIA:

Julgo que foi no início da década de 70. Tremor de terra sentido com grande intensidade na área de Lisboa. Eu trabalhava por turnos e naquela madrugada estava no aeroporto. Depois da saída dos aviões da noite, o andar onde trabalhava encontrava-se silencioso e quase sem ninguém. Vim a saber que só éramos duas almas. Eu e o Santana, colega da KLM que viria a falecer prematuramente. Estávamos a cerca de cinquenta metros da primeira saída, com escadas de caracol a utilizar se fosse necessário. O meu gabinete dava para o então parque principal de estacionamento e o do Santana, mesmo em frente, dava para as pistas. Quando tudo começou, cada um abriu a sua porta e encontrámo-nos no corredor, de olhos esbugalhados, esperando que tudo desabasse. Nada aconteceu durante aqueles segundos intermináveis que pareceram minutos.
Mais calmos e depois de termos telefonado para as famílias, descemos ao hall principal do aeroporto utilizando as tais escadas, evitando o elevador.
Os candeeiros pendurados no tecto alto da entrada do aeroporto ainda baloiçavam. Começavam a chegar pessoas ao aeroporto, algumas em pijama (!), procurando – segundo elas – um local mais seguro para se refugiarem de eventuais réplicas.
Quando regressei a casa, apesar de cansado, não conseguia dormir. Fechei os olhos, sonhei e depois escrevi.


SONHO EM FEVEREIRO

A terra revolve-se
nas suas entranhas,
as casas vibram,
os velhos tropeçam,
as mulheres gritam,
as crianças brincam –
- sem nada entender.

Respiro caliça.
O calor abrasa-me.
A cidade fantasma
continua a agitar-se,
a tremer, a tremer
em sacões violentos.

Línguas de fogo
tudo lambem,
as labaredas
tudo iluminam
com ar sinistro.

Mescla de cores,
sons e cheiros
que eu quisera não sentir.
As crianças agora já choram
e as flores começam a murchar ...

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