quarta-feira, 26 de maio de 2004

Texto da minha amiga Rosário:

«NÃO CAEM BOMBAS DO CÉU

Não caem bombas do céu nem andamos pelas montanhas em busca de refúgio. Vivemos na Europa dos quinze, dos Jaguares, dos iates, do Euro. A maioria da população é de um louro pálido, mas como que envergonhada por tais cores, ou talvez rendida aos encantos dos machos mais morenos, corre para os países do Sul em busca de uma cor que acaba por se fixar no vermelho santola.

Na cidade a população continua a correr para o comboio ou a estagnar nas auto-estradas, onde, impotente e irritadamente, toda a gente fica em transgressão.

No primeiro sinal luminoso o mesmo mendigo de sempre. Andrajoso, a cheirar mal, com um braço deficiente a sair da camisa. No segundo, o mesmo rebanho de filhos, que de sol a sol é remetido a este não trabalho infantil.

As conversas de café, com as variações de sempre emolduradas por expressões de ódio.

Em todo o lado se grita. Em todo o lado se discute. Em todo o lado se é o maior do mundo (o mais infeliz também, penso eu).

Não. Não caem bombas do céu. Não andamos pelas montanhas. Não esperamos o auxílio da Cruz Vermelha.

Aqui temos a calma alegria de ver Mercedes e pés descalços, palácios e mendigos a dormir nas ruas, hotéis de muitas estrelas e a sopa dos pobres, sucesso e miséria.

Mas que raio, que importa a miséria? Pedem? Vão trabalhar! Não têm dinheiro para dar de comer aos filhos? Não os tivessem tido! Não têm como pagar a casa, a roupa, a escola?? Impossível!, então e o rendimento mínimo garantido?

Além disso, além de tudo isso, faz parte das leis da natureza que só os mais aptos sobrevivam.

Não, na Europa dos quinze, nos Estados Unidos, no Japão, não há guerra! É que somos evoluídos. Somos países democráticos. As pessoas podem escolher. Se um partido não cumprir o seu dever manda-se para a rua, escolhe-se outro. Somos bons.

Sou feliz por ser da Europa dos quinze! Por não termos bombas a cair do céu, nem gente nas montanhas em busca de refúgio, por não precisarmos da Cruz Vermelha, nem dos Médicos sem Fronteiras, nem de nada!

E se um dia destes eu morrer, de frio, chuva, suor ou dor, tudo estará bem, pois será porque faço parte dos menos aptos.»

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