EFEMÉRIDE
– Simone Adolphine Weil, escritora, mística e filósofa francesa,
morreu em Ashford no dia 24 de Agosto de 1943. Nascera em Paris, em 3 de
Fevereiro de 1909.
Lutou
na Guerra Civil Espanhola, ao lado dos republicanos, e na Resistência
Francesa, em
Londres. Atingida pela tuberculose, não admitiu receber
alimentação diferente da ração diária atribuída aos soldados, nos campos de
batalha, ou aos civis através das senhas de racionamento. Com a progressiva
deterioração de seu estado de saúde, desnutrida, faleceu poucos dias depois do
seu internamento hospitalar.
Nascida
numa família alsaciana judia mas não praticante, revelou precocemente uma
inteligência notável mas também uma mentalidade excêntrica. Recusava-se
frequentemente a comer por razões "idealísticas" e estava determinada
a permanecer virgem. Já falava grego arcaico aos doze anos de idade. Em Junho
de 1925, obteve um bacharelado em Filosofia e esteve depois três anos no
Liceu Henri IV para preparar o exame da Ecole Normale Supérieure,
sob a supervisão do filósofo anti-conformista “Alain” (que a apelidou de “Marciana”,
por causa das roupas estranhas que ela habitualmente usava). Foi uma das duas
primeiras mulheres a estudar nesta instituição.
Em
1931, tornou-se professora numa escola secundária para raparigas, em Le Puy, onde ganhou outra
alcunha exótica: “Virgem Vermelha", algo como uma mistura de freira
e de anarquista. Compartilhava a prosaica actividade de professora com períodos
exaustivos, em que trabalhava em quintas e fábricas. Segundo ela, o papel
apropriado para a ciência era permanecer integrada na vida produtiva, sem o que
se tornaria um mero sistema remoto de sinais vazios. Depois de dizer para as
suas alunas que «a família era a prostituição legalizada e a esposa uma
amante reduzida à escravidão», foi transferida de escola e de cidade.
Em
Agosto de 1932, viajou até Berlim para verificar de perto a situação na
Alemanha e a ascensão do nazismo, constatando o impasse do movimento
revolucionário, entalado – de um lado – por uma social-democracia reformista,
cujos líderes, bastante próximos dos governantes da República de Weimar, eram
por demais estranhos ao proletariado; do outro, por um partido comunista
fragilizado, que agrupava desempregados e escolhia os social-democratas como
principais adversários. Ambos deixavam o campo aberto para o avanço de Hitler e
do nacional-socialismo. As suas impressões de viagem foram registadas em
diversos artigos escritos entre 1932 e 1933.
Em
1934, afastou-se durante dois anos do ensino para tentar viver como e entre os
operários. Todavia, a sua resistência física só lhe permitiu levar o projecto
até Agosto de 1935, visto que adoeceu com uma inflamação na pleura, quando
trabalhava na linha de montagem de carros da Renault. Ficou tão
traumatizada com a sua experiência fabril, que abandonou imediatamente
quaisquer noções românticas que ainda tivesse sobre o proletariado e a sua
habilidade para o ajudar. Descobriu que, na maioria das vezes, a opressão não
provocava a rebelião, mas sim a obediência e a apatia.
Com
base na sua experiência pessoal, argumentou – no ensaio “Expérience de la
vie d'usine” – que a automatização é uma bela coisa, ao eliminar o trabalho
penoso e servil, mas que a super-automatização transformava um trabalhador
qualificado num mero intermediário entre a maquinaria e as coisas a serem
processadas. A única solução possível, segundo Simone, não seria um retorno ao
modo rude da manufactura, mas sim automatizar somente as tarefas mais ingratas.
Para todas as outras actividades, deveria combinar-se a precisão da máquina com
a assistência habilitada do trabalhador, exigindo do operador pró actividade,
iniciativa e uma apreensão inteligente das partes operacionais.
Em
Julho de 1936, com a eclosão da Guerra Civil Espanhola, Simone juntou-se
à causa republicana. Mesmo sendo míope e frágil, recebeu um rifle e foi
incorporada numa unidade de anarquistas. Sem nenhuma preparação para a vida
militar, enfiou um pé numa panela de óleo a ferver e teve de ser resgatada
pelos pais, que a mandaram para Assis, em Itália, para se tratar. Desanimada
com as atrocidades que havia visto cometer nos dois lados, Simone reafirmou o
seu pacifismo.
Forçada
a parar de ensinar por causa de constantes enxaquecas, Simone tornou-se
crescentemente obcecada por questões metafísicas. Em acréscimo ao seu
conhecimento enciclopédico, que ia da poesia de Homero às últimas descobertas
em teorias matemáticas, ela começou a estudar os gnósticos, os pitagóricos, os
estóicos e o budismo. Devorou o “Livro dos Mortos” egípcio e ficou tão
impressionada com o “Bhagavad Gita”
que começou a aprender sânscrito por conta própria.
Com
o início dos conflitos entre a França e a Alemanha em Setembro de 1939, Simone
deixou claro em diversos artigos publicados nos “Nouveaux Cahiers” que,
apesar do medo e da raiva que os nazis lhe causavam, era uma irresponsabilidade
que políticos e jornalistas franceses os retratassem como bárbaros desumanos,
visto que «todo o povo que se torna uma nação, submetendo-se a um estado
centralizado, burocrático e militarizado, torna-se igualmente e permanece um
flagelo para os seus vizinhos e para o mundo», ou seja, a França não seria
diferente deles. Em 1940, quando os alemães entraram em Paris, ela fugiu para
Marselha, onde passou a colaborar, sob o pseudónimo de “Emile Novis”, no
jornal “Les Cahiers du Sud”, organizado por um grupo de escritores
fugitivos.
Numa
colónia agrícola católica, distante dos pais que estavam em segurança nos
Estados Unidos, Simone pôde praticar o ascetismo do modo como sempre havia
desejado. Trabalhava nos campos e vinhedos ao lado dos camponeses, dormia num
saco cama no chão e alimentava-se somente de cebolas e de tomates. Escrevia
também muito.
Em
Abril de 1942, emigrou para os Estados Unidos, mas desde logo começou a planear
o seu regresso à Europa. Escreveu para o governo provisório francês exilado em
Londres, expressando a sua ânsia em pular de pára-quedas sobre a França ocupada,
numa «missão secreta, de preferência perigosa». Também começou a
escrever uma nova série de diários. Albert Camus considerou-a «o único
grande espírito do nosso tempo». Valendo-se dos seus contactos, Simone
conseguiu finalmente ser chamada a Londres, onde foi encarregada de analisar
todas as sugestões de «como organizar a França depois da guerra».
Desapontada com o nacionalismo antiquado dos gaulistas, logo renunciou
ao cargo e afirmou que não tinha o direito de comer mais do que os seus
camaradas na França ocupada. Passou mesmo fome até ter de ser hospitalizada.
Depois
de nova recuperação, fez um último esforço para compilar as suas ideias sobre a
tão sonhada “sociedade sem opressão”. O resultado foi "L'Enracinement"
(“O Enraizamento”). «A política deve ser algo mais do que impor uma
ideologia sobre a táctica particular de um grupo social que queremos levar
adiante», concluiu Simone. «Deverá ser uma reflexão inteligente sobre a
realidade, conduzida por pensadores profundos».
Enviada
para um sanatório no campo, recusou alimentar-se, insistindo que as suas
refeições deveriam ser enviadas para França. Morreu de paragem cardíaca, aos 34
anos de idade, no Sanatório Grosvenor, em Ashford (Kent). A uma rua da
cidade, foi dado o seu nome.
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