Bruno era filho de pais
oriundos da Guiné-Bissau. Cresceu na Zona J, em Chelas, sendo educado na
Casa Pia de Lisboa.
Em 2017, regressando a casa,
à noite de bicicleta, foi atropelado e abandonado inconsciente no chão da
estrada, sendo salvo por uma chamada anónima para o Instituto Nacional de
Emergência Médica, que o conseguiu reanimar. Ficou em coma e com sequelas
em todo o lado esquerdo do corpo. Com limitações de mobilidade evidentes, foi-lhe
atribuído um atestado de incapacidade.
Apesar do acidente,
manteve-se activo no teatro e na produção de um livro que estava a preparar.
Em Julho de 2020, vivia no Casal
dos Machados, na freguesia do Parque das Nações, em Lisboa.
Era pai de três filhos, dois
rapazes de cinco e seis anos e uma menina de dois.
Bruno Candé desde muito novo
que queria fazer teatro. Em 1995, frequentou um curso de representação durante
um ano, no Chapitô, participando em vários espectáculos, sob a direcção
do encenador Bruno Schiappa.
Em 2010, conheceu a actriz e
encenadora Mónica Calle, da companhia teatral Casa Conveniente, quando
esta se encontrava ainda instalada no Cais do Sodré, numa altura em que Calle
tinha um projecto com os reclusos da prisão de Vale de Judeus. Segundo
Candé relatou ao “Observador” em 2015, foi Mário Fernandes, conhecido
como Boss, um dos antigos reclusos de Vale de Judeus que
trabalhava com Calle, que o apresentou à encenadora.
O primeiro espectáculo em que
participou foi “A Missão - Memórias de Uma Revolução”, de Heiner Müller,
representação que viria a ser premiada pela Sociedade Portuguesa de Autores,
continuando depois a trabalhar regularmente com a Casa Conveniente.
Em 2011, participou em “Macbeth”,
ao lado de José Raposo e Mónica Garnel. Actuou em “Rifar o Meu Coração”,
de Mónica Calle, em 2016, em “Drive In” de Mónica Garnel, “Atlas”
de João Borralho e Ana Galante, entre outras representações.
Quando não trabalhava como actor,
estava como assistente ou prestava apoio técnico na Casa Conveniente,
tendo participado nessa condição nos espectáculos “A Boa Alma” e “Os
Sete Pecados Mortais”, entre outros.
Na televisão, participou na
novela “A Única Mulher”, na TVI, fazendo regularmente castings em
busca de oportunidades de trabalho.
Em 2020, além da participação
em workhops na Casa Conveniente com vista à produção de novos
espectáculos de Mónica Calle, trabalhava no espectáculo “Escuro que te
Ilumina”, da Casa Conveniente, juntamente com a actriz Inês Vaz, que
tinha por base a sua própria vida e o processo de recuperação do acidente
sofrido em 2017. O espectáculo estava previsto voltar à cena em 2021, com uma
nova força.
Segundo testemunhos
recolhidos no local pela equipa de reportagem do jornal “Público”, desde
dias antes do assassinato, ocorrido em 25 de Julho de 2020, após uma discussão
motivada por Pepa, a cadela labrador de Bruno Candé, com Evaristo Marinho,
vizinho do lugar, auxiliar de enfermagem reformado, de 76 anos, e que
alegadamente teria combatido na guerra colonial em Angola, vinha insultando Bruno
Candé com frases como «preto do ca*alho», «vai para a tua terra»,
«volta para a senzala», «vou violar a tua mãe» e «fui à tua
mãe e àquelas pretas todas de merda».
Segundo uma testemunha, em 22
de Julho, Bruno Candé não se terá resignado, respondendo aos insultos de
Marinho com «você não fala mais assim da minha mãe». Marinho ameaçou-o
então de morte, afirmando «tenho armas do Ultramar em casa e vou-te matar».
Em 25 de Julho de 2020, pelas
13h00, Bruno Candé encontrava-se sentado num banco da Avenida de Moscavide,
no centro daquela localidade de Loures, e perto da sua residência, acompanhado
da cadela Pepa e de um rádio, quando Marinho surgiu e disparou quatro tiros à
queima-roupa. Candé não resistiu aos ferimentos, no pescoço e no peito. O
assassino foi imobilizado por transeuntes que o impediram de fugir, atando-lhe
as mãos com o próprio cinto, até à chegada da Polícia de Segurança Pública
(PSP), chamada ao local cerca das 13h20. O óbito foi declarado no local
e o homicida foi detido, tendo-lhe sido apreendida a arma de fogo. Em Lisboa,
após receber cuidados médicos, terá sido encaminhado para a ala F da
prisão, onde os detidos cumprem quarentena devido à COVID-19. Em 9 de Agosto
deverá ser transferido para a ala C, onde se encontram os reclusos mais
velhos, após cumprir os 14 dias de confinamento.
Apesar de Luís Santos,
comissário do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP ter afirmado
que todas as seis testemunhas inquiridas no local, nenhuma falara de actos
racistas; os testemunhos recolhidos pelo “Público” revelaram outro
cenário. No mesmo sentido, a Polícia Judiciária admitiu que o crime
poderá ter tido motivações racistas.
Em Janeiro de 2021, o Ministério
Público formalizou a acusação de homicídio premeditado e concretizado
friamente, derivado tanto do motivo fútil - a discussão por causa do ladrar da
cadela - como do ódio racial.
Apesar do assassino não se
ter mostrado arrependido do crime, afirmando publicamente ao ser admitido na
prisão, em Lisboa, que «em Angola, matei vários como este», Evaristo
negou às autoridades ter cometido o crime por motivos racistas, afirmando ter
querido vingar-se de um suposto empurrão que teria sofrido dias antes, parte de
um conflito já antigo que mantinha com a vítima, por causa da cadela Pepa.
A arma usada no crime não era
do Ultramar, mas sim uma antiga arma policial, roubada à PSP na
década de 1990.
Marinho foi constituído
arguido, encontrando-se em prisão preventiva, indicado por homicídio
qualificado e posse de arma ilegal.
A ministra da cultura, Graça
Fonseca, lamentou o «brutal homicídio» de Candé.
O historiador Rui Tavares e a
líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, entre outras figuras
públicas, pronunciaram-se publicamente pedindo justiça para o crime.
A embaixada da Guiné-Bissau
repudiou o assassínio do actor português, manifestando a sua confiança na
justiça portuguesa. Em 29 de Julho, o parlamento da Guiné Bissau aprovou a
resolução de enviar a Lisboa uma delegação parlamentar para contactos com as
autoridades portuguesas sobre o assassínio de Bruno Candé e sobre a situação da
comunidade guineense.
O assassinato gerou uma onda
de repúdio por todo o país. Uma manifestação em sua homenagem foi marcada para
as 18 horas de 31 de Julho, no Largo de São Domingos, em Lisboa,
participada por mais de trezentas pessoas.
Em 1 de Agosto, na Avenida
dos Aliados, no Porto, mais de duzentas pessoas reuniram-se para homenagear
Bruno Candé com um minuto de silêncio.
Foram marcadas manifestações
de homenagem e protesto também para Coimbra e Braga.
A organização SOS Racismo,
em nota de imprensa divulgada no Facebook no dia do crime, afirmou que «o
carácter premeditado do assassinato não deixa margem para dúvidas de que se
trata de um crime com motivações de ódio racial», exigindo que a justiça
seja feita.
Um memorial improvisado, com
flores e palavras de homenagem, foi montado no banco onde Candé foi
assassinado, em Moscavide.
Em 6 de Agosto, a cantora
Luísa Sobral publicou na sua página de Instagram o tema “Habitual”,
composto por si em homenagem a Bruno Candé.
Em Junho 2021, Evaristo
Marinho foi condenado pelo Tribunal de Loures (distrito de Lisboa) por
homicídio com motivação racial e condenado a 22 anos e nove meses de prisão.
Marinho, de 76 anos, estava acusado do crime de homicídio qualificado de Bruno
Candé, ocorrido em 25 de Julho de 2020 e agravado por ódio racial, e posse de
arma ilegal.
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