domingo, 7 de setembro de 2008

O VELHO E O MAR

Hoje, após o almoço, dirigi-me para a Baixa, estacionei o carro num parque e apanhei um cacilheiro para a margem sul. Durante a viagem, reparei num ancião que estava encostado á amurada e que tinha um comportamento fora do vulgar. Olhava para o mar, sorria, gritava, batia palmas e quase que pulava apesar da idade. Não fosse o diabo tecê-las, dirigi-me para ele, com ar despreocupado.
- Então tudo bem?Voltou a cabeça e olhou-me com uns olhos vivos e brilhantes.
- Então não havia de estar, amigo? Aqui onde me vê, já tenho quase oitenta anos e nunca tinha visto o mar. Estou a olhá-lo pela primeira vez.
- Como assim?
- Sou de Bragança e vim numa excursão organizada pela
Junta de Freguesia de Espinhosela, no Parque Natural de Montesinho, conhece?
- Não. Nunca lá fui.
- Os meus companheiros de excursão foram dar uma volta pela cidade, visitar museus, ver o zoo e sei lá mais o quê. Eu, ainda em Bragança, disse logo que vinha, mas só para ver o mar. Prometi ao meu neto contar-lhe como ele é.
- Então e está a gostar?
- Imenso. Nem sei se conseguirei explicar-lhe tudo o que estou a ver e a sentir. O mar tão depressa está manso e parece um espelho, como se altera e ruge como um leão. Esta ondulação, passando por baixo do barco parece que nos quer embalar. E este cheiro que eu nunca saberei transmitir! É a isto que vocês chamam
maresia, não é?
- É sim. Eu também gosto muito do mar. Venho muitas vezes aqui só pelo prazer de andar de barco. Se o senhor…
- Ricardo Silva ao seu dispor!
- Eu chamo-me Carlos Trigueiro, sou viúvo e estou reformado há dois anos. Se o amigo Ricardo tivesse tempo, no regresso levava-o a dar um passeio à beira mar. Podíamos ir até ao Estoril e Cascais e ver mesmo a
Boca do Inferno.
- Ai Jesus, como eu adorava! Mas vai ter de me escrever num papel todos esses nomes que está a dizer, para que eu possa contar tudo ao meu Pedrinho. Tenho de estar na
Praça do Comércio às 20 horas, acha que dá tempo?
- Se voltarmos no mesmo barco vai dar.
- Então aceito, mas deixe-me ajudar no custo da gasolina.
- Nem fale nisso homem!
Passados três quartos de hora já íamos a rolar pela Marginal.
- Agora vou um pouco mais depressa até Cascais. No regresso virei mais devagar, pois o mar ficará à sua direita e poderá ver melhor.
- Sou um homem de sorte amigo Carlos. Obrigado. Deus lhe pague.

Quando o deixei cerca das oito da noite no
Terreiro do Paço, já os companheiros o esperavam. Despedimo-nos com um abraço e prometi visitá-lo em Bragança.
- Levo os olhos cheios de mar e sinto-me vinte anos mais novo. Acha que o meu neto vai notar?
- Com certeza que sim.
Subiu para o autocarro e este, dois minutos depois, arrancava rumo ao Nordeste Transmontano. Fiquei a acenar-lhe de longe e a pensar como coisas simples podem fazer a felicidade de alguém.

Gabriel de Sousa
NBPrémio Extra Concurso no XI Concurso Literário da Academia Antero Nobre – 2008 (Pedreiras – Porto de Mós)

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