EFEMÉRIDE
– Edgar Rodrigues, de seu verdadeiro nome António Francisco Correia,
historiador, arquivista e escritor português, radicado no Brasil desde 1951,
ano em que deixou Portugal para escapar à perseguição salazarista, morreu no
Rio de Janeiro em 14 de Maio de 2009. Nascera em Angeiras no dia 12 de
Março de 1921.
É
lembrado pela sua ampla militância a favor da preservação da memória do
movimento anarquista. Foi um dos principais responsáveis pela documentação e
publicitação de boa parte da história do sindicalismo e anarquismo em Portugal
e no Brasil, através de tudo o que publicou.
Tornou-se
depositário do arquivo histórico do historiador e arquivista ucraniano Elias
Iltchenco, após sua morte em 1982. Colaborou no jornal “Fenikso Nigra”,
publicado em esperanto na cidade de Campinas, e na revista “Letra Livre”
editada no Rio de Janeiro.
Juntamente
com o historiador Carlos Carvalho Cavalheiro, Edgar Rodrigues auxiliou o
escritor Jesús Giraldez Macía nas pesquisas para o seu livro sobre o militante
anarquista João Perdigão Gutierrez (“Entre el rubor de las auroras”).
Foi
igualmente autor de diversos verbetes relacionados com o anarquismo, publicados
em enciclopédias e livros. Também foi responsável pelo prefácio da edição
fac-similar do Jornal “O Operário”, de Sorocaba, publicada em Março de
2007.
O
pai era militante anarco-sindicalista e participou no Sindicato das
Quatro Artes, filiado na Confederação Geral do Trabalho e na Associação
Internacional dos Trabalhadores, envolvendo vários ofícios da construção civil
de Matosinhos. No final de 1933, este sindicato foi obrigado a fechar a sua
sede oficial por causa da repressão ditatorial de Salazar. Parte do seu acervo
cultural foi guardado na casa da família, onde também se passaram a realizar
reuniões nocturnas clandestinas. O jovem António Francisco Correia, atrás da
porta, escutava com muita curiosidade tudo o que se discutia naquelas reuniões.
Em 1936, a Polícia de
Vigilância e Defesa do Estado (depois, PIDE) invadiu de madrugada a
moradia e prendeu o pai. O filho foi visitá-lo várias vezes nos calabouços da
polícia política, durante as dez semanas em que ele esteve preso sem processo
nem julgamento.
Quando
o pai saiu da prisão, foi ”castigado” com o despedimento no seu emprego, o que
fez a família passar por uma situação económica muito difícil. Nessa mesma
época, já António tinha começado a escrever os rascunhos que formariam o seu
primeiro livro. No 1º de Maio de 1939, juntamente com alguns colegas, faltou ao
serviço como forma de protesto e reuniram-se para reafirmar as origens
anarquistas da data, que na época era proibido comemorar.
Em
Março de 1940, filiou-se no Grupo Dramático Flor da Mocidade (teatro
amador), no município de Matosinhos, onde conheceu Ondina dos Anjos da Costa
Santos, que seria sua companheira durante toda a vida. Também fez parte da
direcção do Grupo Dramático Alegres de Perafita. Em Julho de 1951,
encontrou-se pessoalmente com o notável escritor anticlerical Tomás da Fonseca
e, no dia seguinte, para fugir à perseguição política do Estado Novo,
embarcou para o Brasil.
Assim
que chegou ao Rio de Janeiro, conheceu vários activistas libertários. A pedido
de dois deles, redigiu um texto sobre a ditadura em Portugal, que foi publicado
no jornal anarquista “Acção Directa” e lhe valeu passar a participar no
grupo editor do mesmo. Em seguida, com a ajuda de vários companheiros, passou a
publicar textos na imprensa libertária internacional e adoptou definitivamente
o pseudónimo Edgar Rodrigues.
Publicou
o seu primeiro livro (“Na Inquisição do Salazar”) em Maio de 1957.
Tornou-se membro da Sociedade Naturista Amigos de Nossa Chácara. Em
Março de 1958, por iniciativa do Grupo Libertário Fábio Luz, de que
fazia parte, foi fundado o Centro de Estudos Professor José Oiticica, em
homenagem ao recém-falecido José Oiticica e com o propósito de continuar a sua
prolífera obra. Entre as actividades desenvolvidas, constavam conferências,
cursos e leituras comentadas sobre arte, política, história, vegetarianismo,
psicologia, teatro, cinema, literatura, geografia, sociologia e anarquismo. Em
conjunto com outros grupos, também foram promovidos comícios do movimento
estudantil e uma campanha pela libertação e asilo político do espanhol
anarquista José Comin Pardillos. Outra iniciativa foi a criação da Editora
Mundo Livre que publicou diversos livros anarquistas, entre eles “O
Retrato da Ditadura Portuguesa” de Edgar Rodrigues, em 1962.
O Centro
de Estudos Professor José Oiticica teve uma actuação anarquista durante
doze anos (cinco deles já sob a repressão da ditadura militar brasileira de
1964/85), até ser invadido, assaltado e fechado pelas forças armadas. As
prisões começaram a ser feitas no dia 8 e continuaram nos dias 9, 10, 15 e 21
de Outubro de 1969. Entre os muitos presos, estava Edgar Rodrigues.
Militantes
anarquistas anónimos de São Paulo e de outras partes do Brasil contribuíram
financeiramente para os gastos judiciais, numa grande demonstração de
solidariedade libertária. O processo durou até Novembro de 1971. No mesmo
período em que foi vítima deste processo militar, Edgar Rodrigues iniciou a
publicação de livros que resgataram a história do movimento anarquista no
Brasil e, posteriormente, a história do movimento libertário português.
Edgar
Rodrigues escreveu 62 livros (entre 1957 e 2007), publicados sobretudo no
Brasil e em Portugal, mas também em Itália, Venezuela e Inglaterra (alguns com
várias edições). Por volta de 1976, participou no documentário “O Sonho Não
Acabou” de Cláudio Khans, exibido algumas vezes na televisão e em eventos
libertários.
Colaborou
no jornal anarquista “O Inimigo do Rei”, enquanto ele existiu entre
1977/88, e também escreveu mais de 1760 artigos em publicações de 15 países,
entre elas a “Voz Anarquista” de Portugal.
Entre
Abril e Maio de 1986, participou no congresso para a reorganização da Confederação
Operária Brasileira. Em Agosto de 1986, foi um dos sócios fundadores do
arquivo Círculo Alfa de Estudos Históricos.
Deixou
para a posteridade boa parte dos materiais de estudo (livros, jornais, fotos,
cartas, actas, memórias manuscritas e demais documentos, muitos deles cópias
únicas) que reuniu durante toda uma vida dedicada ao resgate da trajectória das
actividades anarquistas no Brasil e no Mundo. Conseguiu todo este acervo,
visitando velhos companheiros anarquistas, convencendo-os a escreverem as suas
memórias, entrevistando-os e mantendo correspondência com eles. Comprou e
conseguiu doações de vários materiais, junto de militantes históricos do
movimento.
Edgar
Rodrigues faleceu na sua residência, no bairro do Méier do Rio de Janeiro,
devido uma paragem respiratória. Deixou esposa, filhos, netos e uma vasta obra
anarquista que merece ser amplamente estudada.
Sem comentários:
Enviar um comentário